domingo, 8 de maio de 2011

A BATALHA DOS NADADORES

 Ilustração de Bruno Santana para o livro:
"A Batalha dos Nadadores", de Pawlo Cidade

A Batalha dos Nadadores é um dos episódios mais conhecidos da história pátria. Não se podem abeberar os autores, para tratar do assunto, senão destas duas fontes: as cartas de Nóbrega e de Francisco Pires, uma outra do padre Antonio Blasquez, e o Instrumento, supra. O mais é floreio, é fantasia, romanceio e enfeite.

Declarou  Mem de Sá, conforme fica dito, que a campanha se desenrolou por "espaço de trinta dias". O padre Manoel da Nóbrega, em sua carta ao cardeal infante, fala "em menos de dois meses". Então, alvitra Rocha Pombo: "Podia ser 30 dias de lutas, e cerca de dois meses gastos na expedição". Esse historiador adorna assaz a notícia dos sucessos da guerra, mas está bem alicerçado. Mem de Sá deve ter partido para Ilhéus em maio. Achando-se Nóbrega na aldeia de São João, ao norte desta capital, no dia de São João no ano em apreço, 1559, teve a primeira notícia das vitórias do governador e, para dar graças a Deus, fez ali solene procissão com os índios.

Referem-se geralmente os autores a "guerras" feitas por Mem de Sá aos índios de Ilhéus. Erro, na começada em 1565, o governador não tomou parte. O padre Simão de Vasconcelos, tratando da matéria, não se cingiu àquelas três cartas jesuíticas. Diz, com manifesto sacrifício da verdade, serem aimorés os rebelados, levando os autores subsequentes a incluir no mesmo engano. É prolixo e derramado. Parece contaminado de macropsia ao descrever os acontecimentos: "arderem as matas por muitas léguas"; ao pugilo de homens que seguiram o governador capitulou de "exército"; os aimorés vieram atacar Mem de Sá na vila de São Jorge com tanta gente de guerra, não só da nação beligerante, como das tribos aliadas, que cobriam as praias vizinhas à povoação; e sofreram tão grande derrota, nesta ocasião, que o litoral ficou alastrado de cadáveres, e "as espumas do mar que os lavavam tornadas cor de sangue"; Mem de Sá destruiu trezentas aldeias do inimigo, forçando os que não se quiseram submeter a afastar-se sessenta léguas para o sertão; finalmente, assevera ter sido a guerra em 1560.

 Mem de Sá, 3º Governador Geral do Brasil

É, porém, aceitável isto: depois da Batalha dos Nadadores, entrou Mem de Sá na vila de São Jorge, dirigindo-se, imediatamente, à igreja de Nossa Senhora da Vitória, onde lhe rendeu graças em público pelo que lhe acabara de proporcionar, "e foi levado de todo o povo como em triunfo, por libertador de suas terras e vingador dos seus agravos".

Mas, o que motivou a guerra?

"Aconteceu que foi morto um índio, ficando o homicida impune. Então, se levantaram e mataram dois ou três brancos no caminho de Ilhéus para Porto Seguro, atacando depois uma roça perto da vila. E passando um magote deles pelo engenho São João, de certo Tomás Alegre, amedrontaram-se tanto o homem e sua gente que sem os índios lhe haverem atirado ao menos uma flecha, abandonaram em tumulto o estabelecimento.

Talvez já vingados com aqueles dois sucessos, a morte dos portugueses e a destruição da roça, os alvoroçados tupiniquins deixavam fugir com vida e teres muitos cristãos aterrorizados que topavam. Contudo, alastrou-se o pânico pelos outros três engenhos, despovoados num momento, recolhendo-se todos os seus moradores, com a escravaria à Vila de São Jorge. Tanta covardia encorajou os naturais, que arrebataram uns quantos negros do engenho São João e a este bem como aos demais, às fazendas e roças dos colonos queimaram, saquearam e talaram, indo, em seguida, cercar a sede da Capitania. De tal jeito, que ficaram reduzidos os moradores a se alimentar, exclusivamente, de laranjas dos seus quintais.

Em tão angustiosa conjuntura, bradaram por socorro ao governador Mem de Sá. Reunindo este um conselho de pessoas categorizadas da cidade, expôs-lhes o desesperado apelo dos obsidiados colonos. Diviram-se as opiniões, ficando porém assentado, por maioria de um voto, que se devia acudir à vila. A população de Salvador desgostou-se com semelhante decisão, temendo que os índios das aldeias circunvizinhas, tendo conhecimento da ausência do governador com a gente de armas que guarnecia a praça, viesse a atacá-la. Fazendo ouvidos moucos aos clamores da rua, embarcou-se Mem de Sá..."

(Fonte: Crônica da Capitania de São Jorge dos Ilhéus, João Silva Campos, pp.80-7)